Te fantasiei de saudades

Você me incomoda tanto quanto a gota gelada no meio do meu chuveiro.
Me atrapalha, não me deixa entrar na plenitude de meus pensamentos.
Não me pergunte se ainda existe amor.
Sempre haverá.

Vivíamos n'um empasse: Não podíamos ser perante ninguém. Te parafraseava e acalentava em canções que mudavam teu gênero, afinal: No teu quarto éramos. Idas e Vindas até você reconhecer teu amor por mim. Você me pediu volta e casamos. Quando comemoramos bodas, nos escondemos numa casinha no meio do nada e transamos. Transamos por horas, dias, semanas. Não saberia explicar o quão grande teu abraço se transforma quando estamos nós, mesmo com teus braços tão pequenos. Voltamos para a cidade e nos deliciamos em vários cafés com o passar dos anos. Teu sorriso era o complemento de minhas histórias abstratas e teus poemas amparavam-se nas minhas inconstâncias. Sempre foi amor, e nos meus lábios, sempre há de ser. No decorrer das estações, comecei a fumar. Tu distanciava-se na tua poltrona, e quando puxava-te para perto, virava o rosto: Você olhando para o lado é a coisa mais linda do mundo. Nossas noites eram iluminadas por filmes sem final, garrafas de vinho espalhadas e a lua banhando o nosso quarto -exatamente como planejado. Não tínhamos a varanda que queríamos, era o início do final feliz das nossas vidas, haveríamos de ter tempo para comprarmos uma casinha com varanda. Tudo simples, tudo nosso. Lembra do dia casamento? Nossos amigos nos deram algumas cobertas e dormimos no sofá que tua mãe nos deu por meses, até conseguirmos comprar nosso ninho como queríamos. Eu levei meus gatos, tu o teu cachorro e dessa forma, todos na casa viviam em plena harmonia, sem nunca duvidar do amor. 
Certo dia, em um banho casual (daqueles que tu teimavas em entrar junto, eu reinava e tu me ensaboavas) tu não apareceu. Assim, seco e grosso: Tu não veio. Quando cheguei no quarto você não estava. Deitado no quarto só teu cachorro, do teu lado da cama, claro. Corri pela cozinha, espiei o sofá: nada de ti. Foi a primeira vez que senti que não seria sem você. Fazia um frio terrível, então resolvi me aconchegar em nossa cama e te esperei. O relógio cansou de meus olhos, a vitrola tocava o velho Buarque,  que tu te recusavas a gostar e pensei que poderia ser isso: Coloquei Ana Carolina, para que onde tu estivesses sentisse o coração gigante saindo pela boca dela. Já passavam das três e nada de ti. Fiz do teu calor o instrumento de minha paz, talvez esse tenha sido o erro. Adormeci. No outro dia, olhei pro lado e tu estavas ali ao meu lado, exatamente onde era teu lugar. Uma alegria tão grande invadiu minh'alma, que descobri teu corpo e fizemos amor antes mesmo dos primeiros raios de sol da manhã. Naquele dia não abrimos as cortinas. Nos permitimos analisar cada canto de nossos corpos, ora com violão, ora sem. Não éramos mais os mesmos de dez anos atras. Meu corpo, coberto de rugas não fantasiava mais tuas noites insones, e tuas mãos não eram mais tão fortes para me girar. Mas eu te amava, que se danem os nós. Te amava como quem ama a si mesmo, sem espera, sem angústia. Te amava por inteiro, me inundava nas saudades. Te amava na vontade de ser tua, antes das luzes apagarem e depois também. Te amava nos erros, nos tropeços. Te amava nas brigas e nas reconciliações. Te amava nas histórias e nos planos. Eu te amava ontem, hoje e sempre. Em uma bela manhã de sol, a rosa que tu me dera na noite anterior despedaçara. Não entendi os motivos exatos pr'aquilo acontecer, mas encontrei-me sozinha ao chão, juntando os pedaços que você deixou. Não amor, não quero que pareça uma novela: Mas reconstruí meu mundo amparada nas saudades que tenho de nós. Você passou a sentar sozinho na poltrona, e já não dividíamos o mesmo travesseiro. Você pôs a culpa no tempo, nas ânsias, nas esperas. Eu não falo em culpa, eu não falo. No dia da tua mudança, recolhi-me no canto de nosso quarto, e chorei amor. Não me despedi e talvez esse tenha sido o maior erro de minha vida. Não te enterrei ali, não te matei. Te cultivei, adubando à ódio e amor profundo por tua despedida precoce e inesperada, e desde então não fui mais inteira: Boa parte de mim foi embora com tua partida e portanto não fui de mais ninguém, pois não sendo minha te pertenço. Mas você se foi, e fiquei a beira de um abismo de medos: Se não sou tua, não sou. Não sou, no sentido de não existir e de nada mais ter importância sem teu corpo pequeno encaixado no meu. Fiz um chá de camomila, amor. Sei que tu detestas, mas na vitrola tem rolado teus velhos rocks e eu reformei a casa... Queria te apresentar minha nova família, adotei um gatinho novo. Lembra quando adotamos o Fred, que fugiu dois dias depois? Mas esse hei de cuidar. Te vi esses dias com teu novo amor, esbanjando felicidade. Sabia que o amor que tu demanda pra ela fui eu quem te deu? Tu lembras disso? Lembra quando no perdido da hora eu esquecia um sutian ou uma blusa na tua casa, mas nunca esquecia teu beijo de tchau? Sem falso moralismo amor, mas não beija ela na minha frente não. Não beija ela. Eu sei que a gente não tava legal, mas não te transpõe pro corpo dela como eu fiz para com o teu: Quando acaba dói tanto... Sei que tu estas feliz, mas tua consciência é ávida demais para não perceber que ela é pequena demais para preencher o buraco que eu deixei com meu nome. Que teus cabelos podem ser pintados, da cor que tu escolher, mas o grisalho por baixo deles quem conhece sou eu. Feliz aniversário amor, que sejamos para sempre esse futuro estudo científico de como não amar outra pessoa.

Com amor,
Amor.

Comentários

Postagens mais visitadas