os medos que a gente tem toda noite ou depois de você

com licença, Carpinejar 

Meu maior medo é viver sozinha e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para  me despedir. Meu maior medo é almoçar sozinha, jantar sozinha e me esforçar em me manter ocupada para não provocar compaixão dos garçons. Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranha e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais sozinha do que antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinha. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim, pois nada me agradaria. Meu maior medo é a expectativa de não dar certo na família, que não me deixa ao menos tentar dar certo. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não pensar. E de repente se percebe que você já tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está mais acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dela em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a sua nudez dói em você mesma. Medo de ser olhada com esmero e devoção e não suportar estar em um pedestal erguido pelo amor de alguém. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de ser a última a chorar. A gente tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar a outra, de ser roubada e querer de volta. Medo de que as outras sejam canalhas, medo de que seja uma poeta, medo de que seja amorosa, medo de que seja pilantra. Incerta do que realmente quer, se tem medo de encontrar todas em uma única mulher e permitir que outra pessoa habite as terras dentro de si. Medo do imprevisível, do improvável. Medo de que alguém morda seus lábios e prove o seu sangue. Você percebe que tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. Medo de que apareça a pessoa certa na hora errada, a hora certa para o mulher errada. A gente tem medo de se esquecer e se esperar por anos, até que a "você" antes disso e "você" depois disso possam se coincidir novamente. No fundo, se tem medo de que não se queira repartir o "você" com mais ninguém. Medo de que surja alguém que seja melhor do que nossas respostas prontas, pior do que as nossas dúvidas. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e encontrar alguém que não reclame da beleza das ruínas, pois assusta ser a gente mesma de novo. A gente tem medo de não ser interessante o suficiente para prender atenção de alguém. Medo da independência do outro. Medo de que não precisem de você. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja só ansiedade. De que voltemos pra casa e exista um buraco. Medo de não haver mais buraco e não soltarmos mais as pernas das pernas de outra pessoa. Medo de convidar alguém a entrar, medo de deixá-la ir.Medo da solidão e da presença. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa mais. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que já terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram de novo. Medo do aniversário sem ninguém por perto, dos bares e das baladas sozinha, do convívio sem alguém para se mostrar. No fim, tudo vira um emaranhado entre ter medo de enlouquecer sozinha, pois não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha, e enlouquecer dentro de alguém, pois não há nada mais triste do que enlouquecer dentro de alguém. Perceber que se tem medo do medo de ter medo faz com que você passe a olhar mais pra dentro de si e se fortaleça para que nada mais te dê essa sensação. A gente se joga na profundidade de ser o que é, porque percebe, por fim, que todo o medo é só saudade de si.



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