o porquê

Exaustivos foram os dias tentando entender o porquê. A mente rondava inquieta por bares e esquinas tentando encontrar a resposta para o tão substantivado porquê. (Substantivado porque a resposta de todas as perguntas já era substantivo próprio: tinha nome e sobrenome). Nada calorosos foram os dias em que por ruas distantes sentei e senti o emaranhado de pensamentos se desfazer em fumaça. O peito, em chamas, esmaecia e se punha junto com o sol, quase naufragado na expectativa do que já não era. Infindas as noites em que o amor se fazia líquido, sendo engolido gole por gole como uma pedra de gelo que rasgava a garganta mas, necessária, permanecia ali para saborizar a bebida. Eu não entendia o porquê de tanta exposição. Eu não entendia de onde vinha tanta devoção. Eu não conseguia conceber a existência de um muro solidificado por outro alguém em um espaço de tempo tão curto. Dias e dias eu escutava o silêncio do peito gritar mais alto do que qualquer melodia colocada para distrair a névoa de pensamentos. Tardes inteiras devorando livros, como se as palavras fossem capazes de - juntas - apontar caminhos. Comecei a meditar e aprendi que correr já não era tão gratificante quanto sentar e observar, e que as palavras podiam, sim, mostrar o caminho de dentro. Calei as frases prontas, apontadas como lança para os seus olhos, a fim de entender toda a gritaria que ecoava nos corredores de mim, mas sempre aparecia a insistente pergunta do porquê na calada da noite. O porquê recebia mimos, carinhos, afagos e longas histórias no correr dos dias. O porquê já dormia na mesma cama e já carinhava o cachorro. O porquê recebia surpresa no trabalho e estava presente quando, muitas vezes, eu não podia estar. Você ao menos lembrava que nunca havia me feito uma surpresa? O porquê (tão inacreditável outrora) se tornou adjetivo: amado. E eu, de cá, observava o fim chegar. As perguntas eram tantas, que escrevi uma lista delas em um caderno. Nessa altura, o porquê já deixava de ter nome e sobrenome para receber a graça de conotativos carinhosos que eram meus. Já havia mais demonstrações do substantivo próprio amado do que qualquer outro na história: era um filme de romance sem precedentes. Quando dei por mim da loucura da situação, parei assistir de camarote, afinal, como seria o fim eu já sabia. Mais do mesmo se tornou a espera da explicação não vinda e comecei a atentar para o conceito de tempo. Olhei para o céu tentando entender o que, afinal, é o tempo e entendi o porquê. Três anos ou três dias se tornam fumaça e pedras de gelo em madrugadas quaisquer quando o canteiro não é bem cuidado. Histórias são recontadas e trajetos são refeitos como peças de lego que desmontam e montam castelos para princesas perdidas. Nunca fui princesa, você sabe, mas confesso que ansiava pelo cavalo branco na porta de casa. Você sabia o endereço, a espera e o medo. Sabia de todos os calos, todas as vontades e todo o esforço para que a vida, enfim, pudesse começar a ser vivida. A vida, até o porquê, dependia de você. Mas aí, cheguei em casa e o canteiro estava repleto de ervas daninhas. Nesse dia, em específico, percebi que você sabia o meu porquê e, mesmo assim, não punha veneno no canteiro. Ouso dizer, ainda, que eu deixei você se acostumar primeiro. Hoje, você tenta desesperadamente expor o seu porquê. Ainda não sei se para dar vazão ou estancar a represa dentro de si. O que sei, daqui, é que seu porquê virou sua razão de existir. Mas, não se culpe, meu porquê era cantiga e você já não sabia (ou não queria) mais cantar. O nó desamarrou do mesmo jeito que atou: no tempo certo de todas as coisas. Fiquei, pela primeira vez, feliz por te ver preenchida de graça e iniciando um novo ciclo. A partir daí, eu já não queria entender mais nada, afinal, dentro do coração a gente sabe ao certo o que tem, o que vem e o que nunca vai ser. Você nunca vai agir como eu ajo e eu nunca vou ser o que você queria, enfim. Convenhamos, você sempre foi das escolhas mais fáceis e eu, da indecisão sem fim. Pois, dessa vez, entre substantivo próprio, adjetivo e apelido carinhoso, eu prefiro escolher o verbo. E, ah, eu amo.

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