sunday morning love





Nos livramos tarde daqueles teus amigos indigentes, que pugnavam por teu amor incondicional. Talvez ainda eles, sentissem tanta falta de ti quanto eu sentia de nós. Depois de algumas horas por teu bairro, chegamos a tua casa, e eu padeci como quem encontra abrigo da rotina apática do dia-a-dia. Reitero minhas palavras, mil vezes, para exprimir que em teu peito encontrei o abraço reconfortante em uma noite inesperadamente insone. Agressivamente insone. Porém, por cada milésimo de segundo inerte ao demasiado cansaço, me perdi no detalhe do som da batida de teu coração. Senti teu pulsar, quando debruçada sobre meu peito, aninhou minha cabeça entre teus braços. Observei a curvatura de tuas costas durante horas. Percebi uma sequência de 23 pintas, com moradia demarcada a dois dedos de distância do pescoço. Teus cabelos, logo bagunçados, insistiam em delinear teu rosto, escondendo tua boca de meu afago, ainda que insistente minha busca por ela. Assim, contentei-me beijando tuas pintas, cada uma à sua vez, percebendo assim teu despertar manso. Sussurraste palavras rasgadas ao vento, e as respondi com murmúrios e carícias, aliviando teu corpo novamente, para enfim retornares à Morfeu. Quisera eu, sê-lo, afim de guardar cada pensamento subjetivo que molda teu sono, ora agitado, ora calmo. Porém, de toda sorte velei teu sono, acariciando todos os monstros presentes na imensidão do breu. Nesta hora, emoldurei tua janela com milhares de cores, púrpura reluzente foi a que melhor se adequou aos raios que já naquela hora trespassavam a cortina fina, quase transparente, que revelava os dois riscos estratégicos de tua tatuagem. Incomensurável o quanto sou tua, quando tu és presença. Entendo pois, o quão adornada de uma redoma cinza me torno quando desapareces de meu campo de visão recente. Por conseguinte, trouxe a tona meus medos de quando, outrora, era com o motivo de teus riscos estratégicos que dividia aquele espaço rasgado de tempo, que deste todo, é nosso agora. Percebi então, que meu medo de perder-te é ainda maior que meu medo de tentar. Um incômodo recente tomou conta de meu peito, e quase que imperceptível, tomei para mim o canto frio da cama, deslocando-me para longe. Tu colaste teu corpo ao meu, já alta madrugada e o sono que se fazia distante, abandonou-me de vez no momento em que teus olhos mergulharam nos meus, instantes depois, me mantendo segura do mundo fora do nosso quarto. Minhas contas mal feitas, então, terminaram em uma soma de beijos intermináveis, esquecendo os riscos, fotos, quadros e provisões mundanas d'aquela, pois sei que no fim, ainda que findo, aquele desgastado amor te trouxe à mim. 'Nosso quarto', percebes? Já é, antes de ser, as always. De todas as intempéries desta madrugada n'alguma atingiu meu branco silêncio como o receio do nascer do sol. Queria, por certo, que o dia não nascesse para nós, pois o quarto, já iluminado, revelaria as imperfeições de minhas manias. Meu cansaço te cansaria, minha solidão, ainda que de encontro à tua, te incomodaria. Viés reverso, meu silêncio em meio à barulhos estarrecidos de cansaço, te fascinou. Ora pois, pequena, ao abrir meus olhos me prostrei à epifania de estar ao lado de quem eu quero estar, tão somente, no instante infindo. Me curvei ao teu sorriso ensejando um modesto bom dia, fronte às minhas olheiras fundas de hiperatividade noturna. Lembras do momento em que me abraçou, pelas costas? Me senti viva, em meio à escuridão constante no nosso, doravante, tão silencioso cômodo. Teu cheiro, doce, me lembrou o leve do algodão. Tua mão, na minha mão, noite adentro, eternizou o laço que jamais virará nó. Trouxeste-me a paz tão almejada, ao ancorar tuas angústias em meu melancólico porto, deixando-as pouco a pouco partirem com a maré mansa de nossas águas calmas, das águas calmas de nosso mundo. Fiz-me ausente de promessas ao teu acordar, porém, tua agraciada baixinha de cabelos loiros curtos já havia estendido a mesa para o desjejum. Prometera, então, levar-me café na cama, do agora ao sempre, quando com a cerca branca nos contentarmos. Conversas esparsas, frases soltas, voltamos às quatro destemidas paredes afim de nos entregarmos ao efeito do veneno da serpente que havia nos picado ao despertarmos. Ah! Se tuas cobertas falassem, exprimiriam cada gota de nosso suor, aos ouvidos quem se prestasse ao escutar aquelas insanidades à meia luz. Rolamos como crianças, à manhã de um domingo letárgico, ao som de músicas embriagadas. "Teus lábios são labirintos...", e me entreguei novamente ao devaneio das palavras bonitas para exemplificar a perplexidade do pertencimento mútuo. As horas voaram, e nos trouxeram ao instante em que conversávamos sobre o cotidiano entrelaçadas no sofá. Destarte, esfriava uma parte quente dentro de mim, ao fechar a porta do carro. Começarei a levar um casaco para o coração, cada vez que abandonar teu pesar. Me vi pronta para não partir, e comecei a revirar minha bolsa à procura de algo que achei estar esquecendo. Voltei ao quarto, procurei em meio as cobertas, embaixo da cama. Procurei perto da louça, que lavamos. Procurei no sofá que deitamos. Procurei no banheiro, no qual escovamos os dentes. Nada encontrei, e retornei ao carro, com aquela ausência de presença que me consumia. Realizei então, que o que havia deixado era algo inexprimível, imensurável, intocável. Lembrei ainda, onde havia deixado. Então, amor, cuida bem do meu amor, que deixei embaixo do teu travesseiro essa noite (ali, do lado do pijama), que eu volto com uma bolsa maior, para levarmos para nossa casa, na próxima manhã de domingo. 

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