Abençoada por São Jerônimos e São Josés

Não sei se foi o box do chuveiro do apartamento novo que é sanfonado e sempre prende a toalha, fazendo com que eu precise conscientemente ajustá-la para poder tomar banho, ou se foi o passeio pela cidade natal repleta de novidades, tapumes e prédios. Não sei se foi a chegada em casa com chuva, ansiedade e colo ou o pulo na piscina fria nessa noite chuvosa que me fez mergulhar em memórias de quando sonhei em estar aqui. Não sei se foi a passagem pelo antigo emprego ou o desvio da rota das formigas-cortadeiras na calçada em busca de alimento.

Não sei se foi o cheiro do lago que me lembrou o gosto de cerveja ou se ele sempre esteve ali para ser despertado com a visão de antigamente. Não sei se a essência precedeu a consciência ou vice-versa, ou se o sol da manhã hoje é diferente do que era dez anos atrás. Não sei se são minhas unhas pintadas de preto ou se é o meu pescoço me lembrando de manter a postura na caminhada matinal que sempre tive vontade de fazer. Não sei se são as minhas lentes ressecando a íris do meu olho ou a vida que vem, derruba e levanta.

Não sei quando aconteceu, só sei que foi assim. Um belo dia acordei e já não era mais de mim. Era do mundo. Um mundo repleto de coisas. Um mundo que nunca me contaram, tampouco me ensinaram a viver. Trabalhe. Estude. Trabalhe para estudar mais e estude para trabalhar mais foi o que me disseram. Nunca me contaram sobre uma caminhada matinal no sol do verão, as formigas-cortadeiras, o tapume, a sensação de casa, a gratidão pelo encerramento e reinício de ciclos. Nunca me contaram sobre o desnível das calçadas e a necessidade de atenção constante no presente.

Se eu tivesse caminhado mais na infância, talvez hoje fosse mais atenta no presente e ele não me surpreendesse tanto com o cotidiano fugaz, veloz. O café esfria, a mesa desarruma e já é hora de pingar colírio novamente porque a vida de quem constrói não é a mesma de quem aproveita. Desconstruir o que silenciou belo dentro de mim e hoje grita vil é um desafio para o hoje e não mais para o amanhã. A metamorfose foge à barata e perpassa por entre os dedos hoje adornados por um anel de ouro e muitos calos. Não sei quem fui. Me tornei aquilo que vivi para ser enquanto não era.


E agora? 



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