"Abre a porta e pula!"





Havia chovido tanto que as ruas da cidade mais pareciam pântanos. Por onde se olhava saltavam sapos, rãs, guarda-chuvas e pedras soltas. A noite não era das mais frias, a lua de prata irradiava toda a sua glória, bem ao centro da paisagem que os olhos dela fitavam. O dia havia sido cansativo, assim como todos os outros que haviam se seguido. Ela não o olhava, observava o quão pequenos somos perante aquilo que nem podemos explicar o que é. Tentava buscar palavras para o turbilhão de emoções que o coração vulcânico expelia. Ele era todo razão, não entendia o motivo de tanto silêncio mas fazia graça, contava o dia e com sorrisos derrubava muros e construía pontes para chegar até o meio do furacão dentro dela. Ela havia buscado em outro corpo, que não o dele, aquilo que não encontrava mais em si: O conforto do que vivera tempos atras. Mas por hora, não entendia o certo e o errado: se o corpo, que a transcende e lhe enlinha cada vez mais nos nós que a garganta faz, ou o olhar brilhante que a aproxima daquilo que espera para si. Estava distante, navegando em águas turvas que o outro corpo lhe proporcionava. Na sanidade inconsequente de lutar para ser livre, tentava ficar distante de si mesma, o que acarretava a ausência de sorrisos quando ele insistentemente buscava alegrá-la. No rádio tocava um velho rock n' roll, começara a chover novamente e o relógio gritava a ansiedade dele.-Sou toda coração! Você nunca vai entender isso.-o interrompera- Tenho me perdido em analogias falhas para tentar entender tudo que se passa aqui dentro. Suficiência de tudo, ausência de nada, se é que você consegue acompanhar a minha linha de raciocínio. Irritadiço, ele olhava para o vidro embaçado e dava baforadas na janela, desenhando alguma coisa abstrata -Busco em ti o buraco negro onde perdi o destino, disse. A minha procura por mim mesmo dentro desses teus olhos que me tiram do sério, e olha pra mim... Seja lá o que for, não tenta te auto-persuadir achando que não vai dar certo, pequena. Nem tudo se preenche, às vezes é questão de encaixe. De sumir de si mesmo pra se encontrar. Adentro no teu labirinto e lá refaço caminhos, atropelo certezas e te pego pela mão no meio dessa tua neblina. Espera, deixa eu terminar, te ergo no meu balão e te mostro todas as formas de amor que alguém pode te oferecer. Me permite, pequena. Permite que eu continue te descobrindo desse jeito torto, mas só meu. Só teu! Os olhos dela outrora frígidos, iluminaram-se, e na impotência diante dele se desmanchou em lágrimas e se aconchegou em seu colo. Ele, que nunca desistira de trazê-la de volta ao mundo real, não soltou sua mão até o olhar dela se prender ao dele e enfim, no mais inesperado sorriso, os sinos soaram e as boas vindas ao novo amor foram dadas. Aquele encaixe suave e necessário foi acertado, o último pingo no I foi pintado e o tempo, que não é bobo nem nada e só engatinha quando se pede pressa, voou junto com as cinzas do inverno. A primavera havia chegado em seu coração, e como a gaivota da capa do CD que toca na sala deles, ela se sentia livre, pois nele encontrara o desejo de ficar presa ao chão com o coração nas nuvens, e na tranquilidade daquele menino-homem, de bagagem nas costas, barba mal feita, mãos firmes e olhar de sonhador, ela encontrou um cais. Era ele, sempre foi ele, sempre será ele. E ao abrir os olhos, depois do pesadelo, olhou para o lado e era exatamente ele que ela queria ali. Encontrara enfim o motivo para seguir, a canção certa, os cabelos espalhados no travesseiro ao lado, a madrugada quente, o amor que com amor se faz. 

"Abriu a porta e pulou. O outro corpo já não lhe cabia mais, e como em um susto, descobriu no pequeno-grande-homem a única razão pra contar história."


"Ela lia muito, e quando contava uma história nunca sabia ao certo onde a teria lido, às vezes não sabia sequer se a tinha vivido e não lido." - Caio F.

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