Eu sou a maré viva, se entrar vai se afogar




Expectativas diferem da realidade. De fato, o que observo é o tormento de desilusões que circunda o lar daquela família. Fazem exatas três semanas que a caixa de pandora da menina foi aberta, e como um pedido de ajuda, compartilhada com os outros dois habitantes da casa. Chove torrencialmente na cidade, as ruas estão alagadas e a convivência ficou forçada pela ausência de caminhos de saída. Quem dói, sabe o quanto ferem as palavras. Palavras encolhem percursos, às vezes até os eliminam dos planos. Eliminam planos. E ninguém estava percebendo o que acontecia com a menina. É a terceira noite sem dormir, a cabeça explode e aos olhos não existem mais lágrimas. Ela acha que seu maior medo, longe de castelos desmoronados ou corações partidos, mas o medo de não sonhar mais, se prostrou à seus pés e pede passagem para dentro de seu coração. Quis ser pequena aos olhos castanhos abençoados de seu amor, incomparável com sua grandeza perante o mundo. Se achava pronta, mas a cada passo, os espinhos das rosas em suas mãos a perfuravam, e não a deixava continuar. Prometera não desistir, e segue, mesmo sem forças. Quanto aos habitantes da casa, não mais os vi. Passaram-se semanas sem gritos, e as estruturas dos prédios se compadecem. O homem mais velho, de cabelos grisalhos e sorriso amigável, carrega uma manta de metal impenetrável, e o sorriso não se enxerga por debaixo dela. A mulher baixa, que sempre estendia as roupas no varal, agora tem medo de lavá-las e botá-las ao vento. Será que o vento leva? A pequena criança, que nada sabe, e porquanto não quer saber, delineia dentre aforismos e metáforas sua fotossíntese diária. O café e o amor quentes a esperam, longe dos olhos de quem não mais quer ver. Vozes geladas à seus ouvidos insones gritam para espantar o medo, mas a cada por do sol sente que nem mesmo vivera noite passada. Palavras de amor não mais lhe atingem, agora, lhe ferem. Sente que fez mais por si, do qualquer pessoa poderia fazer, e não acredita mais na máxima de que o frio na barriga seja a coragem esfriando seus medos. Não mais ri à toa, e só desarma no ombro angelical daquele que traz e leva as angústias. Onde está o amor que aprendera? Onde está o mundo onde vivera tanto tempo? Perceptível é sua viagem para dentro de um mundo escuro, onde a única luz de saída é o medo. Já sem o piano sobre os ombros, não necessita mais de amarras. Recomeça sentindo o cheiro das flores, àquelas que não percebia antes de subir no ônibus para a vida. A vida que agora é, sem mais não ser. E quem vê Maria, não sabe o quão pesado é sê-la.







(De repente fico rindo à toa, sem saber por quê.)

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