We shall.



A chuva na janela invadia o peito dela de saudades. Noite passada havia andado por aí, repensando sobre o quanto havia mudado em tão pouco tempo e invadia-se de um medo infundado, talvez pela perspectiva de futuro que agora enxergava para si. Sentada em frente a uma praça, relia outras tantas vezes a mensagem deixada por ele, naquela tarde. “Cuide do grão, do pão, do beijo. Sinta falta do aroma, do gosto, do cheiro. Permita, veja, fale, pense, ame você.” Refletia sobre a vida em noventa graus que levava desde então, com a mochila de sonhos nas costas, caminhava no sentido mais íngreme do ser, do sentir. Lutava por outrem, mas percebera que deveria começar a lutar por si - e que lutar por si era uma luta maior do que lutar por outrem. Já amanhecia, e a passos rasos pela rua percebia as pessoas apressadas, cabisbaixas, preocupadas, pessoas essas que ela pensava já terem conhecido o amor, pessoas que gostaria de ouvir, sentir, entender, e compartilhar a mágoa de termos todos jogado as pétalas de nosso amor ao vento. Na volta para casa, horas mais tarde, sentou-se em frente ao seu computador, e começou a história de amor mais bonita de que já havia escrito. Nada de príncipes em cavalos brancos, castelos de contos de fadas. Ela falava de cozinhar arroz, dar risada do vizinho, pintar a parede do quarto, comprar um chocolate, deitar no sofá, beber um vinho. Assistir um filme, caminhar de leve, descongelar o freezer, passear, ouvir Jazz e cantar Caetano. Falava de ir, e não voltar. Falava de escrever à caneta, para uma borracha qualquer não apagar, falava de conhecer o pior cheiro, o pior gosto, a maior dor e ainda assim, subir as escadas de casa com a mesma alegria da primeira vez que o fizeram. Falava de amor no sentido literal da palavra, não no poetizado. Se orgulhou disso: Percebeu que enfim encontrara a resposta para o que tanto lhe afligia: Amor não vai, e volta; amor vai, e fica. Precipitou-se daí, e deixou de tentar expressar o amor em palavras que tocassem a carne, que doessem, que lembrassem. Aceitou que amor é passivo, intocável, imutável e intangível. Amor existindo, já é, sem mais explicações terrenas. Faz com que cozinhemos arroz, demos risada do vizinho, pintemos a parede do quarto, compremos chocolates, deitemos no sofá, descongelemos o freezer... e a cada cena criada na parede da memória, menos saudades sentia daquilo que poderia ter vivido. Vivera sim, o inteiro sentido do amor, no tempo suficiente para torná-lo inesquecível. 

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