"Você é a vida da minha vida" ou "esqueci de comprar os tomates"


Estava indo ao supermercado hoje e percebi que estava esquecendo alguma coisa. Revirei a bolsa, o carro, os bolsos, voltei para casa e encontrei o bilhete com a lista de compras que você havia deixado. Dei-me por satisfeita e voltei ao mercado. A sensação de vazio ainda me consumia, e havia algo realmente importante que eu tinha deixado para trás. Voltando da sua casa, ontem, reparei que eu tinha ficado lá. Percebi que eu havia ficado nos móveis, no lençol. Reparei que o colchão já me pertencia, bem como o sofá marrom da tua sala. Aquele tapete, que se confunde com o pelo do teu cachorro, também já era meu. Tua parede roxa, a estante onde eu deixo as minhas coisas, o espelho onde eu te olho. O chão, onde debruço minhas roupas (e teu corpo). O armário, motivo de nossa conversas mais demoradas - e engraçadas- porque eu nunca vou entender o motivo de você organizar tudo por cores. O banheiro, o teu chuveiro. Aquelas tuas roupas que já estão aqui em casa, o teu moletom que eu adorava usar para dormir. A minha escova de dentes no mesmo pote que a tua. O meu dormir e meu acordar serenos, o teu blackout para que a claridade não incomode meus olhos. As várias flores que devem estar secas dentro de uma caixa qualquer, junto com meus bilhetes apaixonados. A tua saída do trabalho, a minha saída do trabalho. A minha ausência na faculdade, a tua presença constante. O balanço das horas das 21h50, das 22h30. Nossas brigas reconciliáveis, meus erros infantis. Teu coração em chamas no meu peito, tuas lágrimas escorrendo na minha pele, manchada com o teu vetor. O meu aprendizado diário. Os teus milhares carros, os teus planos para um só. Teu jeito arredio, tão meu. Teus olhos antes vazios, agora tão meus. Meu peito, meu leito, minha vida tão minha, tudo agora tão teu. Eu não sei exatamente onde foi que eu me perdi de mim para entrar em ti, ou em que esquina dessas eu perdi a lista que você fez do supermercado, e parei aqui na esquina de casa para tentar relembrar, mas só me veio você. Me veio teu cuidado. Me veio a tua atenção, em cada detalhe. Me veio à época em que eu saia da sua casa e meu coração ficava lá. Meu corpo percorria a estrada de volta para casa e esquecia do tempo e do espaço, criando nomes para nossos filhos, nossos gatos, nossos peixes. Estrada que me fazia ter dúvidas a respeito da cor da parede do nosso quarto, da cidade onde moraríamos, do carro que teríamos. Foram anos, vivendo ai, sobrevivendo aqui, no anseio de que na primeira estiada de chuva, os móveis pudessem enfim serem colocados juntos. Acabei de lembrar: tomates! Sao 6, né? Te prometi a janta hoje, mas, eu já falei que não consigo pensar em nada quando penso em você? Que eu perco a fome, o sono, a paz, quando você não está? Tenho pecado, é trabalho demais aqui. Mas, eu saio disparada todos os dias, para me enterrar na paz do teu sorriso ermo. Sei que esse teu tempo de licença em casa tem feito as coisas pesarem. É tempo demais, para pensar demais. Eu não te culpo. Eu te esperava com flores no trabalho, dez anos atrás, e hoje, levo os problemas dos outros para casa. Eu te prometi, na praia, naquela pequena cerimônia de união, que eu te faria feliz, pois você me faz a mulher mais realizada do mundo. Minha vida tem tua cor. Meus filhos têm teu gênio. Minha filha, teu cabelo. Hoje terminam as aulas, e isso me fez lembrar que, o que eu havia esquecido, é que hoje, é seu dia de pegar os gêmeos na escola. Você é a vida da minha vida.

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