se eu soubesse que era assim, eu nem vinha

Um dia eu ouvi falar que dor de amor era como um punhal sendo colocado aos poucos no coração. Sufoca a respiração, comprime o estômago e rasga o peito com uma dor insuportavelmente aguda, a ponto de nos fazer deitar encolhidos no lugar onde estivermos, no lugar onde a dor nos atingisse. Ouvi falar também que ela não é constante e cada um a sente de maneira bem particular: alguns bebem para evitá-la, outros leem. Alguns gostam de novo para cicatrizá-la, outros desaprendem a amar e vivem a sós coexistindo com a tal dor. Alguns viajam para Paris e escrevem até tirar tudo do coração. Certa vez, também me disseram que amor da vida é um só. Confesso que tudo embaralhou na minha cabeça, uma vez que aos amores que tive entrego as estrelas do meu céu. Mas há o 'gostar profundo', disseram, que por vezes as pessoas confundem com amor. Vivem a vida bradando pelo amor gostando profundo e nunca tendo conhecido o que é amor de verdade. Mas será possível haver dor de amor sem amor? Com o punhal sendo lentamente colocado por cada 'sentir particular' do que eu já chamei de amor, percebo que a vida é tão cíclica que a quem um dia dei colo, já recebe colo de outrem. O amor há de ser forte demais para ver mentira e enxergar verdade. Assim, percebi que por mais que tentemos manter vivo o que acreditamos, independe de nossa vontade o caminho traçado por alguém, bem como está longe do alcance das mãos o discernimento para não deixar o outro doer. Aí é onde entra o cuidado, a atenção e o desprendimento da carne para que o outro não sangre sem necessidade. Ouvi falar que quando o punhal chega ao outro lado do corpo, saindo pelas costas, o coração está tão comprimido que já não reage mais às batidas. Dessa forma, a boca não mais fala e as mãos não mais escrevem. Rumores de que ele se fecha por tempo indeterminado até cicatrizar e que, por mais que se queira amar de novo, ele só nos permite gostar profundo. Por vezes, gostar profundo não é suficiente. Por isso, desejo ao que chamei de amor o amor que eu não recebi. Se eu pudesse divagar sobre o amor hoje, diria que foi o maior presente que recebi. É preciso perceber claramente o que é amar e o que é gostar profundo, para que o amor não traga dor alguma. No entanto, quando me deparo com a ausência dele no outro, só posso calar e observar em silêncio as voltas e verdades que a vida traz, as pessoas que a vida leva, as coisas que a vida mostra e a quantidade de tempo gasto procurando amor em saco de areia vazio em construção abandonada. Aliás, 'construção' me lembra Chico, que eu nem consigo mais escutar graças a esse sentir particular de cada um. Por fim, ouvi falar que fui avisada diversas vezes de que tudo nessa vida era finito pra quem eu chamava de amor. Ora, se é amor não há como ser finito!, eu respondia. Percebi, então, que não é o que nós fazemos que determina a finitude do tempo, e sim o que esperamos que o outro faça. A partir do momento em que o outro não corresponde às nossas expectativas, nos vemos diante de um muro sem fim de dúvidas. Hoje, o punhal terminou de atravessar. Enquanto eu ainda desejava amor, silenciosamente o punhal era interposto sobre meu peito em um golpe desleal. "Seja mais feliz do que eu te fiz", eu desejo em silêncio ao que chamei de amor.



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