Ah não, o amor é outra coisa.



Dia desses estava pegando um ônibus para o interior. Ia passar mais um final de semana bacana, no meio da natureza, renovando todas as energias. Estava naquela expectativa de aproveitar ao máximo cada segundo dos micropartícula que se torna o fim de semana quando temos algo útil para fazer, afinal, em um piscar de olhos seria segunda-feira e o estresse do trabalho cotidiano tomaria conta de nossos corpos. Antes do embarque, percebi um casal de velhinhos conversando baixo bem ao meu lado. O senhor, grisalho e arqueado, gesticulava incessantemente tentando explicar algo que não consegui entender. A senhora, de cabelos vermelhos bem pintados, discordava com a cabeça e, a cada sinal de negativo, os gestos do senhor grisalho ficavam menos imponentes. O ônibus, atrasado, já era o assunto da rodoviária toda. A menina do pastel dizia que esse horário sempre atrasava, que achava que o motorista tinha uma namorada pelo caminho. As crianças que estavam com o casal de meia-idade corriam em todo o espaço de embarque, enquanto os pais estava concentradíssimos em seus celulares, dando ordens ao vento, sem sequer olhar para onde elas andavam. Enquanto isso, o casal de velhinhos continuava discutindo sobre qualquer coisa aleatória ao que acontecia ali. A moça do guichê estava escorada na porta, conversando com um rapaz e se abanando com um leque. Ouso dizer que percebi um certo charme no olhar dos dois. A essa altura, olhei para baixo e uma das crianças do casal-tecnológico-de-meia-idade estava agarrada na minha perna. Desde pequena atraía as crianças menores para meu entorno, sem qualquer explicação. Pois, agachei e começamos um papo sobre gatinhos. Ela me disse que não tem gatinhos pois o médico disse para os pais que ela e a irmã - que acabara de vir para perto - seriam alérgicas e não seria de bom grado manter qualquer animal peludo perto delas. Enquanto me explicava, surgiu um olhar de tristeza tão fundo, que não conseguia entender como uma criança daquele tamanho já sentia tanto, ainda mais por um bichinho. Comecei a contar dos meus gatinhos e de como tinha sido difícil para convencer meus pais do quanto era importante para mim tê-los. Expliquei algumas palavrinhas mágicas que podem ser usadas para o convencimento, e ela saiu correndo em disparada para o colo do pai, que provavelmente é o mais fácil de ser convencido. A irmã maior ficou ali ao meu lado, quieta. Tentei puxar vários assuntos, falei de bonecas a futebol. Falei de astronomia a culinária. Falei de bichinhos a bicicletas. Nada a envolvia, nada a comovia. Desisti. Voltei ao banco onde estava e ela me acompanhou, sentando ao meu lado. Foi quando o senhor grisalho comemorou qualquer coisa, e saiu sorrindo em direção ao guichê. Jamais consegui ser discreta, e arqueei um sorriso vendo toda a cena enquanto a senhora se virava em minha direção: "Sabe, menina, às vezes amar é ceder". Oi? Digo, queria acompanhar o raciocínio mas senti que havia alguma mágica no ar e fiquei em silêncio. Ela continuou: "Estávamos decidindo o que faríamos no fim de semana. Diz ele (provavelmente o senhor) que o atraso do ônibus era um sinal para mudarmos o roteiro" e começou ela a me contar que todos os anos eles viajavam para o interior para visitar suas irmãs e ele, o senhor grisalho, queria fazer algo diferente. Discutiam eles entre águas termais e Salvador e, por fim, a senhora-de-cabelos-vermelhos fora convencida a conhecer a capital da Bahia. Virei para a mocinha sentada ao meu lado e perguntei o que ela achava que eles deviam fazer e ela, sem exitar, disse que eles deveriam ir para as águas termais pois lá era quente, molhado e bonito e que ela não conhecia essa capital da qual falávamos. Achei aquilo de uma pureza sem tamanho, e tratei de concordar com ela. De volta, o senhor-grisalho era só sorrisos. Me contou casos de quando era novo e viajava de caminhão. Falei do meu pai, falei da minha vontade de viajar por aí sem rumo, e ele disse que por todos os lugares onde passou deixou amigos e saudades. "Amigos, espero", disse a senhora, e todos caímos na gargalhada. O ônibus chegou. Nessa hora, eu era só saudades e ansiedade. Me despedi do casal de velhinhos e das minhas novas amigas. A viagem toda fui pensando nos casais e na quantidade infinita de amores que devia existir naquela rodoviária. Pensei na moça do pastel, na moça do guichê, o casal-tecnológico-de-meia-idade, as filhas deles, os desconhecidos, os velhinhos-grisalhos. Pensei no meu amor. Em todo o espaço, há amor. Bonitas essas constatações de que o amor traz uma segurança que petrifica seus medos, que te segura firme no chão ou que não te deixa cair. Mas, sabe, é preciso arriscar pra ser feliz! Amor é uma subida, e quanto mais no alto da pedra, maior é o tombo e maior é a certeza de que se você cair, tem alguém pra te segurar lá embaixo. Amor é a aventura de se jogar, sem saber se vai se machucar ou não. São lindos os passeios pela mata ouvindo pássaros, ou vendo aquários. É bonito caminhar de pés no chão (mais pra metáfora, menos pra pleonasmo). A monotonia é tranquila. A mesmice não assusta. Mas, ah, amor é outra coisa! O amor é a decisão de última hora sobre o fim de semana. É querer chorar só de pensar em todo o amor que podia dar a um gatinho que não se tem. Amor é o frio na barriga de perder. Segurança demais, acomoda - e  comodismo não é amor. Amor é a alegria indescritível de poder decidir o que fazer, e seja qual for a decisão, ter uma parceira. Amor é não ter a obrigação de fazer nada e, ainda assim, ser a melhor escolha da vida. Amor não confunde, amor é. Amor esgota as forças, mas a gente nem pensa em soltar da corda. Amor é abraço fora de hora, só pelo prazer do contato. Desci na rodoviária, e lá estava o amor. De cabelos molhados, chegando junto com o ônibus, pra me abrir o sorriso de sempre, pra me buscar como sempre. Ah, aqueles olhos são amor. É a minha mão suada, e as bochechas ruborizadas, ainda, depois de tanto tempo. É ter a impressão de já ter vivido aquilo, mas com a sensação de primeira vez. Amor, como disse a senhora-de-cabelos-vermelhos, também é ceder. E a gente cede, um pouquinho de cada lado. A gente se aprende, a gente se entende. Ah, amor é essa ânsia de não parar de falar e aos poucos fui descobrindo que amor também é silêncio. Tem coisas que o shh! explica bem melhor pro coração. Deve ser uma linguagem direta entre corações. O amor é o todo, em toda parte, pra enfim virar calmaria de deitar na cama e dormir bem. Amor é a onda zen, mas que dá pique pra vida seguir o curso. Ah, o amor é essa coisa. O amor é a coisinha. O amor é uma reza para o tempo parar cada vez que se olha no relógio.O amor é contar todos os finais de semana do ano. Gostar dá medo, se apaixonar dá coragem, mas amor dá certeza. O amor eu já encontrei, já o rumo... a gente decide depois.

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