é tão singular...





Eu me lembro de quando te via passar no corredor. Eu logo acendia um cigarro para mascarar com a fumaça minha ansiedade infantil de te conhecer. Eu lembro que era inverno, da primeira vez que nos vimos. Só recordo tua blusa branca, e os cabelos milimetricamente ajustados para balançarem a medida em que você se mexia jogando pebolim. Eu mal conseguia jogar enquanto você estava ali, por isso, eu saía. Tentava entender de onde você tirava a coragem para andar de mãos dadas por entre as salas. Para se render a um abraço apertado na frente da faculdade, rodeada de amigos. Divagava sozinha, enchia os ouvidos do meu amor do instante, escrevia poemas sobre um amor que emanava de você. Sim, eu já escrevia pra você antes de você ser você. Da segunda vez que nos vimos, você estava com um casaco verde-musgo. Eu sempre amei verde-musgo! Você veio rapidamente ao encontro dela, que estava ao meu lado, fumando. Trocaram meia dúzia de palavras, foram embora e eu encontrei uma música nova para me afundar na angústia da covardia. Entre idas e vindas da vida, não vi mais você. Foram meses em mais um amor habitual mas, no meio das certezas: Caxias do Sul. Eu estava exausta esperando em meio a sombra, e você apareceu. O sol moldava seu rosto, e eu te vi pela primeira vez de óculos escuros. Você estava de branco, e eu, ouvindo beatles. "Something in the way she moves..." e você me atraiu para longe de onde eu estava. Fiz questão de dar dois passos e sentar na árvore em frente a você, mas nem assim consegui escalar a sua torre. Comentei com qualquer pessoa próxima o quanto achava você incrível, mas na sua mão refletia um anel, e eu não queria fazer parte daquilo. Você entrou em um carro qualquer -branco, apesar das discussões- e eu fui comprar café, amuada. Impressiona o fato de você mexer com minhas borboletas desde aquela época. Na volta pra casa, comentei com meu amor de instante que tinha visto você de novo, e ele não entendia porquê isso tinha tanta relevância. A vida em 90º, eu me apaixonei e não mais vi você. Mais alguns meses se passaram, mas eu ainda via ela tragar o cigarro como quem tem a certeza de amor eterno. Eu não mais via você pelos corredores, mas ela fazia questão de comentar na roda da fumaça que você era formanda, que teriam uma casa, que logo não estariam mais ali, e eu lembro de comentar mais de uma vez que achava vocês incríveis juntas. Incríveis pela coragem que eu não tinha. Incríveis pelo que eu ouvia. Incríveis por poderem escolher o amor. Eu, sentada na escada, ouvia em silêncio as peripécias que vocês faziam, com um ar de prepotência absoluto que eu jamais alcançaria e, consequentemente, jamais me deixaria alcançar você.  Deixei para lá e vivi. Vivi por meses sem nem pensar em você, tentando evitar ficar próxima dela. Parei de fumar. Passei a frequentar mais as aulas na faculdade. Terminei com meu último-novo-amor e passei a viver de amores de fim de semana e poesias. Voltei a fumar. Voltei a beber. Parei de fumar de novo. Parei de beber de vez. Tudo passa muito rápido quando tem partes da gente faltando, quando tem algo na vida da gente faltando. Novo semestre, nova vida, seu último semestre -eu saberia mais tarde. Você já estava lá, no primeiro dia, descendo de um carro prata que discutimos depois ser cinza ou branco, com mais três pessoas e, dentre elas, ela. Fiz questão de acender outro cigarro e ficar por ali observando. Você estava dispersa, ansiosa, talvez. Mas aquele seu olhar eu só conheceria depois. Ela era minha colega em 4 das 6 cadeiras que eu fazia. Era o destino, testando a minha paciência e meu fôlego. Corri os olhos, certa vez, sobre o celular dela que estava ligado em cima da mesa e você perguntava como estava "o pé". Desci e convoquei uma trupe para falarmos sobre nada enquanto jogávamos, para nos distrairmos. Você estava jogada no sofá e eu pensei em milhares de assuntos para puxar. Em instantes, você levantou e saiu apressada com a cara fechada. Fiquei imaginando o que poderia ter acontecido, mas o anel ainda estava ali. Aquela foi a penúltima vez que eu vi você, já que andando pelos corredores vi no mural seu nome, uma data e uma hora. "Esses trabalhos de conclusão de curso acabam com a gente", diziam meus amigos, e eu só pensava em ver você. Por infortúnio do destino, tive que trabalhar e acabei chegando tarde. Fui rapidamente para a sala de jogos, mas você não estava. Na aula, estava desolada. Descendo as escadas, vi você passar feliz em direção à porta de saída e aquela foi a última vez que eu vi você. Naquela mesma noite, saí com alguns amigos que me aconselharam a seguir em frente -mas isso, ainda, não se referia a você. Sabe, antes de você as coisas eram um pouco confusas. Era doloroso acreditar no amor sem que ele existisse. Mas, voltemos à você.  Soube por bocas outras que você não mais estava com ela, que havia viajado, saído do país, conhecido lugares novos para esquecer. Eu queria viajar, conhecer lugares novos para esquecer. Pensei em iniciar uma conversa qualquer no facebook falando sobre como as coisas se vão facilmente, como tudo desmorona de uma hora para outra mas, no fundo, eu sabia que se iniciasse com você, não quereria que se fosse, que desmoronasse. Por conselhos (que hoje julgo os melhores que já ouvi) iniciei uma vida virtual através de um aplicativo que vai contra todos os meus princípios de amor eterno. O que você tem a ver com isso? Você estava lá. Imaginei que se me visse em um aplicativo daqueles, não acreditaria na seriedade de todos os sentimentos que circundavam desde que tinha visto você pela primeira vez. Algumas semanas passaram e eu não conseguia tirar a ~possibilidade de você~ da cabeça. Voltei àquela vida virtual e fiz muitos affairs. Passando pessoas, encontrei novamente você e, o primeiro frio na barriga do "nós" apareceu. Era real. Na mesma noite você me chamou para conversar e eu passei a noite falando de você. Me falavam sobre ter cuidado, sobre questões mal resolvidas, sobre amor de verdade, sobre pessoas predispostas a ficarem juntas. Eu ouvia atentamente tudo sobre você. Eu escrevia sobre você. Eu não queria acreditar no que falavam sobre você, sobre ela, sobre vocês, juntas. Eu acompanhava de longe, há tanto tempo, e agora seria a chance de desmistificar tudo o que falavam. Nos encontramos, pela primeira vez, como "nós". Havia alguns amigos, algumas cervejas, e eu fui uma completa idiota. Pedi milhares de desculpas, como de praxe, e combinamos uma próxima vez, na próxima semana. Levei você para conhecer o lago daqui, que você pediu para que eu mostrasse. Os mesmos amigos, as mesmas cervejas, mas uma armadura mais flexível. Eu sequer havia encontrado seus olhos, até aquela noite. Nos perdemos, nos conhecemos, nos enlaçamos. Foi você quem me beijou -e não adianta discutir quanto a isso. Foi singular, totalmente particular a forma como nos olhamos. Não vou falar sobre meus erros, sobre minhas incertezas, não dessa vez. Fomos o absoluto clichê, ouvindo los hermanos durante todo o tempo. Falamos de passado, de futuro, vivemos o presente. Tudo foi acontecendo e encaixando devagar e, na quarta vez que nos vimos, você me convidou para caminhar em uma noite estrelada, com uma lua gigante que, como mágica, fez eu soltar toda a armadura. Falamos, pela primeira vez, sobre medos. Sobre erros. Sobre ânsias do futuro. Não conseguíamos nos olhar, lembra? Eu só queria impressionar você e, dentre meias-voltas que as semanas deram, o tempo passava e a certeza de "nós" aumentava. Tudo era novo. As viagens, as noites acordada, as tardes, a leveza que era estarmos sós. Nos entrelaçamos como nunca fizemos com nenhum outro. Nos acreditamos. Nos aceitamos, assim, com defeitos mesmo. Nunca quisemos ser perfeitas e acho que esse foi o diferencial que, em um lapso de 20 segundos de coragem, fez eu te pedir em namoro. Foram os segundos mais demorados e barulhentos da minha vida, em meio aquele silêncio que tua boca fazia. Me disse você, dias depois, que estava tentando entender o que estava acontecendo, por isso demorou. Eu discordo. Acho que foi aquele ensurdecedor instante que te fez ter a certeza do sim. De que amor, de verdade, não dói. Desde então, a história fica cada vez mais bonita. Enfeitamos os dias com lagos, elefantes marrons, violões e o mar para abençoar. Impressionantemente, te desmistificar foi a coisa mais difícil que já fiz. Acreditar que o que hoje é meu não é o que eu via, foi o mais demorado. Acreditar que o que todos estavam errados, e só meu coração o certo, foi o mais gratificante. Acreditar que daria certo foi a única certeza que me fez acreditar em todas as outras coisas. Hoje, quando vejo a pessoa maravilhosa que dorme ao meu lado, enxergo o amor que escrevia, sem sentir -e sei que já falei isso mil vezes pra você. Que você é a entrelinha de todas as poesias que já escrevi pra todas as pessoas. É a realidade dentro de todos os contos com palavras bonitas espalhados por aí. O anel que reluz no seu dedo é o meu, e agora somos incríveis juntas. Hoje, quando discutimos sobre o que fazer no final de semana, somos só nós, contra o resto do mundo. São milhões de possibilidades, mas tudo só vai fazer sentido se fizermos juntas. Se estivermos juntas contra o resto do mundo. Sabe,  quando me falavam sobre pessoas que mudam as perspectivas da gente, eu atribuía ao tempo. O tempo muda a gente, não as pessoas. Mas, depois de todas essas nossas andanças pelo mundo afora, depois dos infinitos quinze meses, percebi que tem gente que vem pra somar, sim. Tem gente que nos faz sonhar, mesmo que acordados. Tem gente que faz a gente querer ser melhor, assim, pela gente mesmo. E tem você, que faz tudo isso, junto. 

Comentários

Postagens mais visitadas