Shortinho, passos de formiga e nota de cinco reais

Caminhando em direção ao banco estava fazendo as contas do mês, mentalmente. Tanto pra isso, mais tanto pr’aquilo e acho que esse mês sobra uns trocadinhos pra mim. Pra eu gastar comigo, sem pretensão de grandes compras mirabolantes, só um café, num fim de tarde, em boa companhia. Já é março, e mais uma vez a premissa se repete: não vimos o tempo passar. Nós não vemos mais o tempo passar. Aliás, o que temos feito pra não ver o tempo passar? Arrisco dizer que estávamos ocupados, certamente, na busca por tempo, calculando mentalmente as contas do mês, sentados na fila do caixa do banco, planejando as “grandes futuras coisas mirabolantes que faremos quando (...)” e, em um espirro, o “quando” passou. Pois, passei em um armazém e comprei um café e umas balas para expulsar aquela vontade de consumir com todo o dinheiro, quando o temos. Vocês não tem disso? Pois eu tenho, e me encarrego de gastar exatos cinco reais, todo mês, logo depois de sair do banco. Dá até vontade de rir dessa rotina boba, que a gente observa dos pais, reclama e faz igual. Na tv do lugar estava passando a notícia da tal polêmica do shortinho, naquela escola de Porto Alegre. Os comentários não poderiam ser piores: “quero ver botar shortinho para lavar uma roupa”, “tem que usar shortinho pra esfregar o chão lá de casa”. Percebam o detalhe: eram meninas de 13 anos concedendo entrevista. 13 anos. Nem mesmo minha presença intimidou os rapazes sorridentes. Eu, com 13 anos, nem sabia que machismo existia. Com 13 anos eu não tinha medo de andar na rua, sozinha, pois sequer imaginava que poderiam me fazer algum mal por eu estar de saia, calça ou shortinho. Jamais cogitei a hipótese de me fazerem algum mal gratuito – essa coisa ingênua de menina do interior, essa coisa ingênua de menina que acha que o pai, irmão, amigo, namorado sempre vai estar ali pra proteger de todo mal (confesso que relendo essa frase percebo que realmente não sabia o que machismo era). Não aguentei ficar mais dois minutos naquele lugar. Virei de costas, enrolei o troco - uma nota de cinco reais - e pus no bolso, saindo rapidamente dali antes que me mandassem limpar o balcão. Esqueci o dinheiro no bolso por um tempo e fui correndo para escrever um texto indignado sobre o machismo arraigado na sociedade. Sobre os homens (ou pelo menos grande parte deles) que riem forçosamente das "feminazi" e acabam fazendo com que a própria filha, mãe, irmã, prima, amiga seja estuprada por causa de um comentário de bar. Essa ignorância alavanca através das gerações o histórico do patriarcado. Faz com que as meninas continuem acreditando que precisam ser protegidas por homens, dos homens, assim como e acreditava aos treze que meu pai sempre estaria ali para me proteger. Eu corria porque precisava escrever sobre a falta de amor e respeito nos corações das pessoas, sobre como eu me sinto incomodada e com medo na maior parte do tempo pelo simples fato de que fui ensinada, no dia a dia, a acreditar em toda essa balela de que a minha exposição era a mola propulsora para que os rapazes pudessem fazer comigo o que quisessem. Meus pais, em casa, faziam questão de me mostrar o contrário. Eles me ensinaram que a minha voz podia sim ser ouvida cada vez mais alto. Que eu poderia ser independente financeira e emocionalmente de alguém e, ainda assim, ser alguém perante a sociedade, ainda que vez ou outra a voz do mundo acabasse sendo mais alta que a minha. A cada perda de batalha, eu ouvia mesma coisa: "água mole em pedra dura, minha filha". Ah! Confesso que gostaria que meus pais tivessem educado metade da humanidade. Tirei o celular do bolso para começar a escrever, antes mesmo de chegar no trabalho, e o troco caiu do meu bolso. Na nota, suja, amassada e já gasta estava a seguinte frase: “Mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Um dia encontro.” Só podia ser piada! Caio Fernando Abreu em uma hora dessas? Era o meu mentor narrando a saideira de alguém desiludido com a vida. Era o depoimento de alguém indignado, como eu, escrevendo exatamente o que eu queria dizer sobre esse lixo-patético que as relações entre as pessoas estão se tornando. Não só sobre o machismo e o preconceito que mata todos os dias. É sobre essa crença bárbara e medieval de que o costume deve ser mantido a todo custo, pela moral e os bons costumes. Quando se pede o shortinho, se pede mais respeito. Se pede mais amor. Se mostra que, apesar do medo, a verdade nos faz andar de cabeças erguidas. Mas, como tudo na vida, a mudança exige prudência, exige respeito e, principalmente, exige tempo de adaptação. Então, em um mundo onde o tempo falta, de que maneira podemos nos adaptar? Passos de formiga... Água mole em pedra dura... Senhor, dai-me paciência!

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