do meu vômito inconsequente de palavras

No primeiro dia, o céu anoiteceu rosa e azul. Parecia recado de que tudo ficaria bem por mais uns dias. Comprei livros de autoajuda, corri meia maratona para expulsar do corpo a sensação de exaustão mental. Era como se o chão tivesse sumido dos meus pés.
No segundo dia, o trabalho tomou todo o espaço do nosso pra sempre e sequer cogitei chorar. Embrulhei algumas coisas e arrumei o guarda-roupas. Era como se uma parte de mim sumisse de dentro do quarto.
No terceiro dia, de frente para um lago qualquer, voltei a ser criança imersa em lembranças do que nem vivi. Pensei no que faria. Escrevi um texto. Li os tais livros de autoajuda. Me permiti sentir saudades, pela primeira vez em duas semanas. Era como se eu não conseguisse respirar.
No quarto dia, afoguei mágoas entre cervejas e cigarros em um boteco que não pretendo mais passar. Entre risadas e promessas de futuro, de certa forma te bebia pra dentro de mim. Fazia planos que sabia que não podia cumprir. Perdia os passos já no primeiro. Era como se não houvesse mais caminho.
No quinto dia, procurei escutar tantas pessoas quanto fosse possível, afinal, de coração partido ninguém morreu. Percebi que era possível morrer sim, se eu não conseguisse pular o muro que eu mesma havia construído. Pensei em tudo que era ruim. Pensei em tudo que era bom. A balança nunca pesou tanto. Era como se eu estivesse sendo puxada de um sonho.
No sexto dia eu viajei e tudo estava embaralhado demais para pensar. As palavras ecoavam na minha cabeça e eu não conseguia me mexer. Prometi que no outro dia tomaria jeito. Arrumaria as minhas gavetas, caminharia, doaria roupas aos necessitados. Era como se não existisse mais vida.
No sétimo dia era quinta-feira. A mochila, no armário, já sabia o caminho. Já estava carregada de coisas minhas-nossas-tantas-histórias e eu desabei. Se em todos os outros dias havia sido a ausência de sono que me permitia chorar no escuro, dessa vez não consegui conter a enxurrada de dor que escorria de mim. Pedi colo. Procurei por todas as partes o teu ombro, os teus olhos. Abri infinitas vezes as nossas conversas, reli declarações, chorei sobre as cartas. Pensei em rasgar, pensei em devolver, pensei em sumir. Peguei o carro e ele também já sabia o caminho. Parei no acostamento, chorei por todo o amor que havia. Chorei por todo o amor que há. Chorei por não estar pronta para tanto amor dentro de mim. Chorei porque o amor já não estava mais me esperando de banho tomado. Era como se o ar sumisse da terra.
No oitavo dia eu estava no nosso lugar preferido no mundo. Tropeçava em lembranças por toda parte e foi inevitável gritar por você. O peito pesado lembrava da dor, lembrava do amor. Da aliança na beira do precipício. Do precipício que eu mesma me coloquei. Pensei em ligar. Pensei em chorar baixinho pra que você me escutasse. Era como se você não estivesse mais lá pra escutar.
No nono dia parei de contar. Decidi fazer os cabelos, decidi parar de roer as unhas. Encontrei novos amigos, descobri novos lugares. Comecei a meditar. Me pesei e havia uma nova pessoa na balança. No espelho, não me reconheci. Era como se eu precisasse estar no fundo para começar a subir.
E assim passaram os dias, em ordem totalmente oposta à contagem dos fatos. Não sei o que fui no dia um. Não sei onde fui no dia dois. Sequer cogitei o que aconteceu no dia três. A única certeza é que implorei por você em todos os cantos da casa, do corpo, da vida. Percebi que eu nada era quando comparada à pessoa una que formávamos. Para parar de doer, enumerei a quantidade de coisas que você não gostava em mim. O quanto me magoei quando só precisava de carinho. O quanto mudei para me encaixar no teu abraço. O quanto abdiquei para viver o que escolhi. Se parou de doer? Nem perto. Acho ainda que só você conhece o que ninguém mais vai conhecer. Se é primeiro amor? Que o seja. A única coisa que tenho feito por esses dias incontavelmente doloridos é me perdoar. Enquanto pessoa, enquanto coração. Por tantas vezes caminhamos por ruas tortuosas até nos limparmos para o amor... Será que todas essas pessoas que bradam por amor próprio já conheceram um amor como o nosso? Me disseram que diamantes são lapidados a fogo, já que são inquebráveis. Releio livros, escuto músicas novas, busco respostas que só encontro quando, de repente, você me procura para falar sobre amenidades da sua nova vida. É errado eu ainda me sentir parte dela? Repito pra mim infinitas vezes que tudo acontece no tempo certo e que o nosso, talvez, não seja agora. Faço piada com o meu presente. Percebi, falando comigo, que coração não tem ouvido. Também percebi que só amor não basta. E nessa dicotomia entre esperar e viver, eu adentro madrugadas procurando respostas que só encontro nos teus olhos, tentando me bastar, tentando esperar o tempo passar.


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