Sobre geladeiras, amor e post-it


(...) Ah, mas daí, depois de muito esbravejar para umas nuvens tortas nesse breve veranico de maio, percebi que amor é paciência, insistência. Amor é, até deixar de ser, porque tem que existir um cuidado permanente, selando cuidadosa e simplesmente as vias entre amor e comodismo. A persistência a cada pesar, a continuidade após cada "apesar", nos ensina diariamente que os excessos só levam a poemas bonitos (que sinceramente, só servem para os outros lerem e chorarem por maisumamormalresolvidomimimi). O comodismo não se confunde com rotina, tampouco com amor. Acordar todos os dias olhando nos olhos agateados de uma morena que se escolheu para viver é graça, é cor, jamais tem de ser preguiça de viver o novo. Porque pra mim, comodismo é isso: preguiça do novo - e amor é o velho, sendo novo todo dia. Comodismo é preguiça do amor. Por isso, volta e meia, esbarro em bilhetes deixados na caixinha de remédios, ou em fotos tiradas sem perceber, para não deixar a rotina apaziguadamente desinteressante. Noite dessas ainda divaguei sozinha sobre pequenos poemas que couberiam na nossa futura geladeira, para quando não conseguisse te acordar e tivesse que sair correndo pro trabalho, deixasse um pedacinho meu ali, num post-it, parafraseando qualquer autor contemporâneo desses bonitinhos da internet. Tenho certeza que você gostaria, e por qualquer pequeno gesto, sorriria aquele sorriso de orelha à orelha que eu espero todo dia ao chegar em casa. Espero, à todas as pessoas, que amar vire rotina. Mas uma rotina dessas, de post-it de geladeira, como a minha.


Aliás, acabamos por ficar horas discutindo sobre a tal geladeira. Essa coisa de casa conceitual, toda combinando, não casa nem com a minha vida, que é uma bagunça. Eu queria uma geladeira perdida no cômodo. Uma amarela, bem grande, desconsertando o fundo branco/gelo das paredes. Talvez uma geladeira vermelha, quadrada, mas que não faça aqueles barulhos de helicóptero quando ligue, e que funcione, para que o nosso sorvete-de-creme-velho-de-guerra sobreviva.

Quero um sofá bem grande, com uma rede do lado, bem embaixo de uma janela gigante sem cortinas, pra gente enxergar a rua e ter o cantinho da luz no apartamento/casa. Pode até ter uma fonte (com aquele barulho chato de água) ou um aquário (com peixes de brinquedo porque tu matou os do teu irmão) mas, o imprescindível, é a rede! Forrada, pra não furar com o violão, que vai morar dentro dela. 

Particularmente, não gosto de tapetes. Mas não iria me opor (visto teu bom gosto) à tapetinhos na sala, conversando com as molduras dos quadros ou com a parede de fotos branco e preto das viagens que faremos, que vai ficar bem em cima do sofá pra quando virarmos de cabeça pra baixo, abraçadas, com os pés na parede, lembrarmos de lances inusitados dos passeios ao London Eye ou ao Pelourinho.

Quanto às crianças, vão ter o mesmo quarto. Acho mais importante construir o companheirismo do que a independência. O espírito que nasce livre há de transcender através das paredes. Lembrando que jamais, em hipótese alguma, dormirão com a gente (acima dos 3 anos, claro, - deixando consignado que cabem recursos como: o chorinho; o cheirinho ou a risada gostosa)

Sei que somos diferentes e essa breguice de casa pequena com janelas grandes e mobília velha talvez não te satisfaça; ou tu ache vintage/hipster/adolescente demais pra ti, mas não existe vida se não existe sonho, e não existe comodismo num lar onde existe amor (e post-it).

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