I don't recognize u anymore


Filho da puta! Desgraçado! Como ele pode, Dada? Como? - Gritava ela aos quatro ventos enquanto o acelerador passava de 120Km/h. Já havia passado das dez, mas a preocupação com o acontecido se sobressaía ao desespero da hora. Ela voava por entre aquelas curvas, sem a mínima noção de que os olhos lacrimejantes secariam com a vivacidade da manhã que viria. A amiga ao lado, compartilhava da mesma decepção, decepção por coisas não vividas. O momento era de resguardo, protelava grosserias por simples desapego, como se a propulsão necessária para esquecê-lo viesse da insanidade do fingir não sentir. Se decepcionara, e esse era o principal motivo para o maremoto dentro dela, não apenas uma vez, se decepcionara com a projeção de amor que criou para um ser que sequer existiu. Imagens esparsas martelavam na cabeça cansada e se intercalavam com as promessas que havia feito a si mesma: Onde está a paz de estar em paz comigo mesma? Desconhecia o sentido de sanidade desde o momento em que descobriu dentro de si um buraco causado pela ausência dele. Suas olheiras reconhecem o amor que foi deixado, aquele que foi guardado no lugar mais bonito dentro dela, e por hora está trancado para qualquer um que o tente abrir, não por recusa ou submissão ao sentimento, apenas por respeito à história, respeito às lembranças e promessas, respeito ao respeito que tínhamos um pelo outro. Mais uma vez a tentativa de pegar no sono falhou. O travesseiro já dividido, relembra a felicidade antes contida em um nome, o silêncio de um olhar que calava todos os monstros dentro dela. O olhar de um desconhecido, o olhar de uma projeção de ideal. Doía, doía tanto que o coração da pobre menina parecia que iria explodir. As noites regadas a vinhos e amigos transloucados não a ajudaram a apagar a lembrança daquele rapaz já sem rosto. A manhã chegara e em seu calor estancou o sangue que jorrava, fechou a represa que transbordara e a fez calar o grito abalroado na garganta. As distrações do trabalho a fizeram sucumbir à tranquilidade que merecia. Fingira ser feliz, por mais uma manhã ao menos.

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