A incrível história do balão que nunca estoura



Eu fui um mistério desde o dia em que me apresentei. "Prazer, fulana. bla-bla-bla música brasileira ti-ti-ti vinho tinto, vamos comprar bebidas?" E você disse: - claro, é um prazer. Coloquei o banco do carro mais para trás, ajeitei as costas e tentei bolar histórias mirabolantes para uma noite inesquecível, a única noite inesquecível que teríamos. Enquanto incorporava o personagem da fulana, senti o frio estarrecedor daquele inverno iniciante, angustiante. Você me perguntava sobre as viagens, os amores, os planos, e eu, que já muito sabia de você, respondia cheia de pretensões, ansiada por suas respostas que, quando vieram, me fizeram descobrir que, na verdade, eu nada sabia. Curvas vão, curvas vem, adentramos em um caminho desconhecido e pensei comigo: sinal dos céus! É hora de atacar a tal tigresa que desconheço conhecendo. Tal surpresa, você pegou minha mão. Mal conseguia olhar nos seus olhos, escondidos e agateados, mas me desconstruí inteira quando encontrei com eles. Em meias palavras eu já me perdia, querendo lhe impressionar eu me enrolava. Quem era aquela que eu não conhecia? Quem era eu que tremia? Tão segura de que nada seríamos, pouco espaço dei dentro do meu balão. Permaneci com a ideia fixa da tigresa adormecida, que mal faria ao meu coração impaciente, infante. Voltamos aos amigos, às bebidas, às conversas informais e engraçadas com pessoas que eu tão bem queria. Te apresentei meu mundo divertido, e você me encarou em silêncio. Você me cobriu com uma fungada tão funda, que meu pescoço frio já fervia. Ali, eu nada mais era além da tua presença. Tudo era você e eu percebi que já era amor antes de ser. Me desesperei ao perceber que a tigresa já havia me atacado e ao invés de me jogar no lago a frente com a notícia, espalhei-a em outdoors pela cidade. Fiz de amigos muros de lamentações. Me perdi em cafés, cervejas, happy hours pós estudos e dias após já estava inundada de saudades daquela que mal conhecia, saudades daquela que eu não deveria amar. "Corre, que lá vem chumbo" e você veio como ouro, desmistificando todos os meus pesadelos sobre o amor. Sobre o seu amor. Eu, que também não queria um "plim", vi que não é de querer que se faz o amor, e dei graças aos céus pela escolha não ter ficado em minhas mãos (e sim, nas nossas mãos juntas). O tive - o tal "plim" - quando você, despretensiosa, apresentou sua família, abriu seus armários, desfez seus nós, logo nos primeiros encontros. Quando, ao invés de atacar, me convidou para passear de mãos dadas em torno de um lago frio, que passei a amar. Construímos em volta dele um lugar, o nosso lugar. Escrevemos nossos textos e ouvimos nossas músicas, que mudam a cada mês, a cada briga, lembranças que surgem a cada sorriso, a cada noite tão bem dormida. Você me moldou pra caber em você, e eu percebi que tirar as capas, pesos e máscaras já era o suficiente. Você veio desarmada, e eu estava preparada para a guerra. Você veio sem passado, e eu tinha uma tonelada de histórias mal resolvidas. Você veio limpa, e fez do nosso amor o mais limpo que tive o prazer de vivenciar. Você era meu sonho, antes de ser a minha realidade (aquela, do sonho dentro do sonho) e eu, boba, quase deixei escapar como areia entre os dedos por um medo descomunal de pertencer, de te pertencer. Sempre fui parede, e hoje sou um quadrinho pendurado na nossa casa, casa essa que você é viga, alicerce. Lembra da lua no inverno passado? Eu me contradizia quando você me perguntava sobre o amor e hoje suas constâncias eu sei de cor. Eu mal sabia o que falar para chamar sua atenção e hoje a tenho sem o esforço das palavras. Achei que seria mais uma, quando pra você fui vulcão. Fui presa com um olhar de ventania. Você reabriu meus mapas, reescreveu meus caminhos e hoje, sem ti, caminho não faço. Descobri, no pertencimento, que você é o resumo das pequenices e grandiosidades que mais admiro em um ser humano. Um pedacinho de bondade no meu céu que era cinza e não queria cor. Uma brecha gigante na dor. Você é um poço de amor, mesmo não admitindo que é, me cedendo, tão carinhosamente, a leveza de ser quem eu sou, sem mistérios, em uma moldura clara e simples. Você é a pessoa que mais me conhece, mesmo achando que não. Sabe das minhas risadas desconexas, dos meus medos infundados, das minhas verdades. Você faz a minha mão não querer andar desenganchada da sua. Te exibo, te mimo, te percebi como a única capaz de abrir essa crosta que eu criei ao longo dos anos por achar que sofrer é amar demais. Sim, estou ouvindo los hermanos, sentindo aquela saudade de todo dia, do junto todo dia. Do você e eu se tornar o nós, com a geladeira amarela ou vermelha, com o sofá grande ou pequeno. Você entrou, por favor, não saia e mais: me deixe ficar.

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