licença poética

quero suar verde 

e pregar meu dedo no fogo.

quero mais, 

quero rasgar meu grito de sopro; 

pôr desejo no corpo.

muito mais, 

quero quebrar meu conforto,

pernoitar em um campo

ao lado da morte e do novo.

não basta,

quero além,

quero congelar de neve

na montanha mais alta.

quero bradar socorro

em sulcos e uivos.

é pouco!

quero correr o mundo

sem comida nem fundos.

quero abraçar um urso

e tomar seu mel num soco.

mais, mais, mais.

quero dançar 

ao som da brisa da lua 

e do brilho do mar.

quero levitar com chumbo nos pés

e flecha no calcanhar.

quero poder errar o pulo

e sentir vergonha quando voltar.

na verdade,

quero despencar

pra ver o abismo de baixo.

quero falhar na vida

para dizer que brincar 

é melhor que vencer.

meu desejo é fome!

é mais.

é cegueira, é ardência, suplício.

quero tudo: repouso, perigo.

cansa querer o querer do outro, não é?

por isso, quero olhar pra frente

sem mágoas nem dentes.

quero ser um cata-vento

e acompanhar o sacudir do céu,

nunca o tremor da terra.

quero largar de canto

a nostalgia desmedida

e deixar de pensar

na culpa consumida.

nada de fim,

quero esquecer de esperar carinho

em meio a espinhos.

quero suportar o peso da minha sombra,

a solidão do meu ego

e o silêncio do meu eco.

quero conhecer pântanos,

piratas e outros cancerianos.

quero fantasiar o dia,

pintar os pingos e me vestir de seda.

meu deus,

quero andar de trem,

libertar um refém e bater em alguém.

quero beijar bocas,

maçãs e violões.

quero paz. quero asa.

quero pó. quero brasa.

quero-quero.

tudo é febre, vontade, urgência.

quero demais.

quero agora.

de norte a sul quero estar descalço 

para dar um passo em falso

e escapar da sujeira da cidade.

quero aprender com um veterano de guerra

a separar o joio e a semear o trigo.

quero ser humilde

e aceitar que nada sei-e-sou.

ou melhor,

quero ser sábio para ouvir

aqueles que nada sabem-e-são.

quero abrigar a providência 

e acreditar nas miragens do deserto.

quero inventar engenhos 

e destruí-los na sequência, de perto.

quero respirar fumaça.

quero respirar floresta.

quero experimentar o tempo.

quero aproveitar a festa.

quero explodir a mente.

quero riscar o fósforo.

quero rir contente.

quero rir sonoro.

quero derreter de rir.

quero sorrir,

demoro.