não faz sol

há alguns dias eu reabri um mundo que já estava completamente fechado. passei a enxergar colinas onde antes só havia pó. usei de artifícios e artimanhas avançados para escalar tais montes a fim de encontrar as respostas que procurava. a cada pequena escalada, uma nova queda. A sensação era de que meus braços não aguentavam. Fortaleci os braços e voltei. Na nova tentativa, meus pés escorregavam demais, a ponto de não conseguir sair do chão. Comprei grandes estacas e voltei. Na terceira tentativa, quando meus olhos mal conseguiam enxergar o topo, foi meu coração que não bateu. Era como se algo o suprimisse de tal forma que sequer o ar chegava aos pulmões. Fui tentando escalar mesmo assim, com os braços fortes e os pés amarrados a estacas, na intenção de chegar a um pequeno recuo seguro na metade da escalada. meus olhos, já lagrimejados, imploravam por ajuda. minha cabeça, sempre tão cética, não conseguia relacionar nem meu nome. quando cheguei no recuo, já machucada e calejada pelas intempéries no caminho, encontrei você. você que me disse que o mundo seu não tem sentido sem um mundo meu. você que me falou sobre dias adentro, sobre noites em claro. você sentou ao meu lado na fogueira e chorou como uma criança que precisa de abrigo. eu te abriguei no meu colo como sempre o fiz, sem nada pedir, sem nada saber. quando me falavam sobre pessoas más, eu nunca imaginaria que isso chegaria até você. essa maldade toda do mundo onde pessoas sobrepoe pessoas, histórias sobrepõe histórias e sentimentos sobrepõe sentimentos. você me convenceu a não permanecer escalando, afinal, seria arriscado demais com os braços cansados, as estacas quebradas e o coração em tiras. "eu não quero", eu lhe dizia, "mas consigo por você". Incrédula, você me disse: "eu não consigo, mas quero". nesse joguete de marionetes, logo após o primeiro ato, decidi lhe fazer companhia somente por aquela noite, e partiria na manhã seguinte para continuar minha jornada até o topo nublado da colina. na manhã seguinte você me falou sobre colo, na conversa boa nos perdemos e você decidiu que eu ficaria. nos outros dias que passaram, você me falou sobre o poder das palavras por sobre as ações. logo eu, tão embasada em ações, passei a acreditar somente em palavras. no entanto, acordei certa manhã e você não estava. não havia possibilidade de ter subido o monte, somente decido. contrariando tudo que eu acreditava, desci atras de você. as estacas estavam quebradas, então escorreguei e caí com as costas no chão. não conseguia respirar e não tinha forças para me virar e levantar. ao longe eu lhe avistei e você disse: "eu não consigo te ajudar, estou ocupada". recuperei o fôlego depois de horas e consegui levantar. fui até você, mas não conseguia lhe olhar. era como se uma sombra negra estivesse ao seu redor e eu não conseguisse dissipar. Lá havia alguém com você, há muito tempo. Alguém que você fazia questão de dizer que não era ninguém e eu, seguindo seus passos, acreditei. Eu não conhecia aquele lugar, e justamente por isso tentei escalar o primeiro monte que encontrei. Como eu não lhe enxergava, caminhei pela noite escura perambulando entre árvores e lagos. Acabei por dormir em uma pedra próxima de um riacho lindo, onde deveria passar os próximos dias já que havia perdido o caminho para as colinas. Nunca senti tanto medo. Me vi sozinha em meio ao universo que já girava sem mim. Entre cochiladas e sustos, amanheceu. Você, sempre distante e coberta pela nuvem, já nem me olhava. Você já dormia acompanhada. Como em um súbito desespero, comecei a esfregar folhas em você, a fim de tirar aquela nuvem negra. Joguei água, joguei você na grama, e nada. Aquele borrão continuava ali e agora, além disso, já não tinha mais nem olhos. Em um último acesso de medo corri até você. Falei sobre como não lhe enxergar me fazia ter medo do mundo. Me fazia ter medo das pessoas e de tudo que eu ainda tinha que viver. Falei sobre as pancadas da vida e sobre como eu havia, com dificuldade, escalado o monte do qual você me fez descer. As respostas eram silêncio. Sacudi você, quis lhe jogar no meio daquele rio, mas você não reagia. "Preciso de ajuda", eu bradava. você, no alto do seu egoísmo nada dizia. decidida a recomeçar meus passos, agarrei você e joguei no lago mais profundo que havia naquele lugar. Você sequer pediu ajuda. Afundou como desconhecida, como borrão. Percebi ali que em grandes lagos afundam grandes monstros. Como já era de se esperar, meu grito ecoou seco por entre os vales, enquanto você ria. A grande lição que se tira disso é que nunca se busca amor em vale de sombras. Pode-se até, por certo tempo, fazer-se uma fogueira, inventar-se um lampião, encontrar-se vagalumes. Mas, no fim, o que é sombra vira sombra e você percebe que nada mais foi que um instrumento para dar luz a alguém que caminha perdido. Com relação a mim, já enxergo o monte distante e nublado que comecei a escalar tempos atras. Quanto a você, espero que a companhia continue boa e a cerveja esteja gelada, afinal, efêmero é o tempo do agora para quem não tem futuro nenhum.

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