Put your hands on me baby





Eu cheguei e ele ouvia jazz. A voz rouca com graves estridentes se misturavam a dele, absolutamente confortável com aquele som. A minha primeira impressão foi de um rapaz solitário, preso em seus planos e dependente de sua inteligência descomunal. Ele era castanho, porte médio, mas mais alto que eu. Tímido, ao me ver segurou a voz e ruboresceu. Eu estava exatamente onde queria estar, quando sentei naquela cama. Não sei ao certo o que ele estudava, mas estava em uma concentração absoluta, ignorando minha presença naquele quarto. Nos raros momentos que em olhávamos nos olhos, pude ver a perfeição do castanho claro banhado por um branco cintilante, que contrastava com a pele, cor de cuia. Levemente puxados, cílios grandes, um desenho retilíneo, um caminho para o paraíso. Olhos que empunham um medo inquietante, medo que não me deixou mais dormir, comer e sequer respirar. O quarto tinha um cheiro doce, uma mistura de balas de cereja com café: Cheiro de juventude. As naturezas mortas na parede eram paralelas a uma listra azul, indo de um lado a outro da parede, terminando na cama. As luzes me chamaram muita atenção. Estavam por toda a parte, luminárias de todos os tipos, desmerecendo um pequeno abajur ao lado da cama. Não vi tapetes, não vi sofás. Era a cama, a escrivaninha e livros e CDS organizados milimetricamente na estante, estante que só não era mais alta que a minha vontade de lhe perguntar sobre todos aqueles livros. Deitei. Peguei um livro qualquer e pude conter a ansiedade de meus gestos. Ele me encarou. Finalmente largou os cadernos e se aproximou. Estava de cabeça baixa. Sentou ao meu lado como quem nada queria e me abraçou como quem pedia abrigo. Não sei se existe uma forma certa de abraçar, mas se existir, é a sua. Ele não soube o que dizer, eu também não soube. Então ele puxou uma folha de caderno de uma gaveta no canto do armário, com um texto todo em inglês. "I think that I love you..." era a primeira frase. Disse ele que escrevera há alguma semanas atrás, quando lhe bateu uma saudade imensa do que poderíamos ter. Me falou de medo, me falou de amor. Era a primeira vez que olhando-nos nos olhos, nos permitimos tocar nossos corações. Ele pegou o meu na mão, e pôs no bolso. Pela primeira vez senti que havia mergulhado em águas profundas, e não tinha certeza de que queria voltar. Ao terminar de ler, me perguntei há quando tempo brado pelo amor, o tendo ao meu lado, mas nada falei. Ele me olhou daquele jeito. O jeito que tempos depois acabei descobrindo ser o único jeito que eu quero ser olhada daqui pra frente. Então tentei o beijar. Disfarçada e lentamente aproximei minha boca de sua orelha, sussurrei algo que não me lembro agora. Aproximei minha mão de sua nuca, meu nariz de sua bochecha, e a essa altura as mãos dele já me envolviam completamente, em um meio abraço reconfortante. Olhei em seus olhos, e quando os fechei: A porta se abriu. Ele levantou, voltou para os cadernos e eu para o meu livro. Não éramos, não podíamos e não devíamos. Ali ficamos por mais alguns longos minutos, esperando alguma reação do outro. Meu coração palpitava, minha boca estava seca e a perna dele batia contra o chão. Tremia dos pés a cabeça, puxei as cobertas e me enrolei, até que ele se ofereceu para deitar comigo. "Esta frio" disse ele. Então o abracei, pelas costas. Passava um show qualquer, acho que era Coldplay, mas já estava quase no final. Ele havia ligado a tv a minutos atrás para quebrar o silêncio. Eu cantarolava "If you never try, then you never know"seguido de um "é estranho" dele. Não sei exatamente o que ele espera de mim, nem onde quer que eu me esconda até tomar por fim sua decisão, que afetaria a vida de nós dois. Ali abraçados, olhos fechados, permanecemos até alguém na rua gritar: "Neve!" e corremos para ver. Estavam lindas as ruas cobertas de um branco esmaltado, resfriadas por uma frente fria que há mais de 20 anos não assolava a região. Tínhamos certeza de que era um sinal. Quando entramos, percebi que se passavam das 23h e eu precisava ir. Descemos as escadas em silêncio, tristes pelo nascimento de uma coisa que nos mantinha em frangalhos, tristes pela falta de reação, tristes pela morte daquilo que nem ousamos começar. Ele abriu a porta, e eu conheci a parede de sua garagem. Nos despedimos, e quando fui lhe dar um beijo, não sei se ele errou minha bochecha propositalmente. Seu lábios eram macios, quentes. E sua parede, fria. Segui de volta para casa, as ruas estavam escorregadias e meus olhos banhados d'água. Havia deixado um pedaço de mim lá, este que eu nem sabia que existia. Não sei se ele nos fantasia, mas não dormi pensando naqueles olhos. Não sei se ele me espera, mas passei a vida esperando por ele. Não sei se ele se precipita tanto quanto eu, mas sei que podemos viver um sonho sem hora marcada para acabar, só depende dele.

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